quarta-feira, 27 de julho de 2011

Lava

por que toda vez sonho
que estou vivo,
e que nesse interim,
como num filme sem fim,
escapo do crivo do tempo?

remexo o pedaço do vento
empoleirado nas minhas palpebras
e descubro que meus olhos
estão em cor de lava

afasto a fumaça que defuma o ambiente
e com os dedos cintilantes
extraio de seu interior
as imagens de dor

para isso derreto meus dedos
em queimaduras
de texturas horripilantes

e nesse sonho como repetição
podia ser livre
pois nada queria
a nåo ser tornar-me
líquido de lava
saida do centro
destinado a queimar a terra
e no futuro
ser pedra

domingo, 24 de julho de 2011

resquícios

Retiro o que disse
com pompa e adereço

me retiro
esqueça do preço
aqui sou inquilino
com bolsos desertos

de alma barroca
e olhos escancarados
tranquei a porta atrás
com o molho de chaves
herdado anos antes
de um senhor que do escuro disse:
“Faça o proveito que lhe aprouver”

taciturno, taquigráfico encadeamento
o que encontrei aqui
em nada me remete aos dias de lá

a descoberta da rotação dos dias
e uma reverência quase imediata
aos espaços nulos

seduzindo o nada, dei de cara com o vazio
e quando inesperadamente pisei, vácuo

esse invólucro que atende por corpo
rebentou em faíscas de luz neón
deixando a alma flutuando como uma carta ao vento

mas antes de repousar na areia
suspirou o último ar morno
temperado pelos ventos marítimos
embarcou no navio do esquecimento
desapareceu
além do além do horizonte


quarta-feira, 20 de julho de 2011

o que se espera da manhã?

Devagar,
que amanhã, é só um dia
de sol nascendo vagaroso
e arredio

luzia ontem na janela
em cor de aquarela morna
um espirro de luz fosca

espelhava na louça esquecida na pia
o borboletar da libélula
milhões de movimentos em um piscar
bilhões num bocejo

na beira da espriguiçadeira
se esgueira o extremo ócio
e o que me vigia
são as caras doces
dos antepassados
daqueles que descansam
e mestres são nessa arte
velam pelos minutos
zelosos dos detalhes
que a essa altura da manhã
despencam aos montes
nessa xícara de leite,
café e retalhos de um zunido
fazendo lembrar que o gole
não é onírico

até onde é sabido

devidamente embustado
pelo café de sonhos intranquilos
boto o pé pra fora
aperitivo da fera cinza que dobra a esquina