segunda-feira, 31 de outubro de 2011

ensaios

Sibilos de felicidade uivam
através da caixa toráxica
enxames de abelhas tontas
brindam-se com o mel
levemente amargo de seus lábios
para mim, a melhor saída
é entrar profundamente em seu eu
vasculhar o labirinto de faunos
e cegonhas que habitam seu interior
acariciar seu umbigo
com a ponta dos dedos
assoprar palavras eivadas de bruta
cor, decoradas ao fundo
de uma paisagem furtacor
balangando em uma nau de Veneza
posso tentar com o lápis
desenhar frases em um idioma
qualquer que seja
a mais especial das línguas
para enrolar-me à sua
em carícias plenas de significado

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

real ize

o sangue estampado na primeira página
o suor molhando a camisa amassada
o sonho arremessado em algum ponto no infinito
o senão jogado às favas
vida em estado de exceção
estado de sítio
princípios de mudança
mudança de princípios

quando o que se tem a perder
põe em risco a ideia de si
nada pode ser mais necessário
que lutar por essa prerrogativa

querer mais que se autodefinir
querer ser plenamente
poder ser
no mundo

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

colegas do mar

Sentado à beira do mar, percebia como os navios, aparentando cargueiros, navegavam. Era preciso uma dose de paciência , uma vontade de ócio para medir os micro movimentos dos transatlânticos. Eles cabiam por entre seus dedos, pequenos à época. Dedos que formavam uma luneta de longo alcance, acompanhava curiosamente o ponto preto no horizonte.

Pensava em como podiam ser solitários os marujos, em como a memória deles deveria ser alimentada nos dias longe de casa. Alguns poderiam até regozijar-se com a solidão; afastar-se da civilização humana, bastando si e a inevitabilidade dos colegas marujos. Uns poderiam gostar de jogar cartas, para passar o enjôo, ou vomitar, para limpar a alma.

De lá da praia o garoto saudava mentalmente a tripulação, deixando-se estar, afundando o corpo na areia mole.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

olha lá olha aí

Compra, vende, troca, negocia
olha só freguesia
pechincha, oportunidade
a qualidade é extrema
trema os lábios com essa oferta
deixe os olhos em alerta
para não perder a promoção

$

clientes estilosos
adquirindo produtos com imponência
suprir a sobrevivência
física e psicológica
A cesta básica carece
de vinho chileno e queijo
de-me um beijo amor
e vamos esquecer o carrinho no corredor
nos aventurarmos vendo a cena daquele filme, aquele
na TV de plasma da entrada

ficaria bem na nossa sala

$

poderia completar o vácuo
causado pelo buraco negro das 8 às 17

$

Aproveite, provedor, provedora
uma chance dessa não se joga fora
senhor, senhora, obrigado!
estaremos ansiosos por sua volta

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

seres em um mundo estranho

"Há coisas que ainda não são verdadeiras; que talvez não tenham o direito de ser verdadeiras, mas que o poderão ser amanhã." Carl Gustav Jung

Uma noite teve um pesadelo mais que inusitado. Sonhou que sujeitos saiam do quadro e o perseguiam ferozmente. Não sabia o porque de tanta raiva. Raiva, era o que seus gestos diziam. Pisavam pesado no chão de carpete, deixando em baixo relevo as patas negras no chão retrátil. Encolhia-se por entre as cobertas, em cima da cama que ainda guardava a proteção contra quedas noturnas.
-Mas por que decidiram evadir para meu mundo, sem mais nem menos? se perguntava o menino.
Suas feições no quadro já eram quase aterrorizantes, postados unilateralmente em um corredor que parecia infinito.
Vociferavam sem voz audível. Entranhavam suas expressões de monstros insones, querendo-o esmagar com seus olhos perfurantes.
Eram dois, que pareciam fundir-se em um. Uma sombra, um receio, uma bronca.
Talvez esse menino tivesse medo demasiado. Tinha vergonha de ver a madrinha. Quando chegava podia ter presente, doce, abraço, beijo, mas o menino não arredava o corpo debaixo da cama. Um dia dormiu lá embaixo. Mas não foi o dia do pesadelo, esse foi outro. Dormiu e quando acordou bateu o cucuruto no estrado.
Um pequeno estrago.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

celeuma

O louco de antes
desfila sua sensatez pelos quatro cantos do mundo
revolução, movimento
era feijão com arroz

se o tempo é atroz
o espaço é de vento
distrai as cabeças penduradas em pés soltos

ventania em calabouços digitais
espalhando a sangria
dos corpos sentados em frente a tela

novidades
de ontem cedo
velhos medos de solidão
assaltam o dia
o que fazer amanhã
é a questão
vazia